Escritor palestino: O que testemunhei em Gaza é um holocausto

Susan Abulhawa: Achei que entendia a situação no terreno. Mas não o fiz. Nada pode realmente prepará-lo para esta distopia. O que chega ao resto do mundo é uma fração do que vi até agora, que é apenas uma fração da totalidade deste horror. Gaza é um inferno. É um inferno repleto de inocentes com falta de ar. Mas até o ar aqui está queimado. Cada respiração arranha e gruda na garganta e nos pulmões. O que antes era vibrante, colorido, cheio de beleza, potencial e esperança contra todas as probabilidades, está envolto em miséria e sujeira de cor cinza. A destruição é tão massiva e persistente que as finas partículas de vida pulverizada não têm tempo para se assentar. A falta de gasolina fez com que as pessoas recorressem ao abastecimento de estearato – óleo de cozinha usado que queima sujo. Emite um cheiro desagradável e uma película peculiar que gruda no ar, nos cabelos, nas roupas, na garganta e nos pulmões. Levei um tempo para descobrir a origem desse odor penetrante, mas é fácil discernir outros. A escassez de água corrente ou limpa degrada o melhor de nós. Todo mundo dá o melhor de si e de seus filhos, mas em algum momento você deixa de se importar. Em algum momento, a indignidade da sujeira é inevitável. Em algum momento, você apenas espera pela morte, assim como também esper…  a por um cessar-fogo. Mas as pessoas não sabem o que farão depois de um cessar-fogo. Eles viram fotos de seus bairros. Quando novas imagens da região Norte forem postadas, as pessoas se reunirão para tentar descobrir de que bairro é ou de quem era aquela casa de entulho. Freqüentemente, esses vídeos vêm de soldados israelenses ocupando ou explodindo suas casas. Apagamento de potencial em um terreno. Apagamento da esperança em e para um lugar. O apagamento é o ímpeto para destruir casas, escolas, locais de culto, hospitais, bibliotecas, centros culturais, centros recreativos e universidades. Genocídio é o desmantelamento intencional da humanidade de outra pessoa. É a redução de uma sociedade antiga orgulhosa, educada e de alto funcionamento a objetos de caridade sem um tostão, forçada a comer o indizível para sobreviver; viver na sujeira e na doença, sem nada a esperar, exceto o fim das bombas e balas que chovem sobre e através de seus corpos, suas vidas, suas histórias e futuros. Ninguém pode pensar ou esperar o que poderá acontecer depois de um cessar-fogo. O limite máximo da sua esperança neste momento é que os bombardeamentos parem. É uma pergunta mínima. Um reconhecimento mínimo da humanidade palestiniana. Apesar de Israel ter cortado a energia e a Internet, os palestinianos conseguiram transmitir ao vivo uma imagem do seu próprio genocídio para um mundo que lhe permite continuar. Mas a história não mentirá. Registrará que Israel perpetrou um holocausto no século XXI.